segunda-feira, maio 24, 2010

(real)mente chocada

Não resisto a fazer umas considerações sobre o caso de Bruna Real, a professora de Mirandela que posou para a Playboy. Acho completamente absurdo o que o país e as revistas fizeram com o caso, embora isso já fosse mais ou menos de esperar num país mesquinho e eroticamente atrofiado como o nosso. Até aceitamos que actrizes, cantoras ou famosas apareçam de corpo ao léu, mas uma alma vulgar e anónima que ensina música aos nossos filhinhos deve ser atirada à fogueira. O pessoal da aldeia está chocado e os encarregados de educação receosos do mal exemplo da docente. Para além da mesquinhez e atrofio erótico, ainda reina a hipocrisia. Admito que até aqui tudo pode ser discutível. Mas agora que lhe suspendam as actividades como docente e a metam nas catacumbas do arquivo municipal de Mirandela isso já não dá para aceitar. E o que passou pela cabeça da Bruna para aceitar de rabinho entre as pernas o "castigo" e as suas novas funções? Como pode ser isto legal? Amigas queridas que também dão aec´s, expliquem-me por favor de que forma é feito o contrato entre os professores e a câmara. E cuidado com o que fazem com as mamocas.

terça-feira, maio 04, 2010

construção do tipo é a vida

luz

Os regressos custam sempre. Olho para a planta que já parecia morta em cima da máquina de lavar a roupa e vejo uma folha. Passou todo o inverno nua, cúmplice silenciosa de noites geladas. Mas os caules, esses, mantiveram-se estoicamente de pé durante o inverno transmontano. Já não esperava que fosse renascer. Nunca soube nada sobre plantas, os olhos sempre debruçados em gestos e vícios humanos. Também não esperava voltar a este teclado para escrever sobre pequenos nadas que me foram parecendo sempre e cada vez mais indescritíveis. A florista vai-me aos poucos mostrando os dentes, sorrisos que o tempo generosamente me veio permitir receber. Para lá do Marão, não se confia em ninguém por dá cá aquela palha. No início, fala-se sempre sobre o tempo. A chuva que não pára, o sol que não veio para ficar, ai menina que hoje está um vento que não se pode. Depois findam-se as conversas com um “é a vida”, a melhor maneira de explicarmos ao outro que já não temos nada para dizer. Fico aterrada. Saio dos sítios com o rabo entre pernas, na promessa interior que no dia seguinte vou tentar explicar a quem me tratar assim que a vida não é, que só nós podemos ser, e que as plantas também falam e choram mas não se queixam do tempo.

quarta-feira, março 10, 2010

mumbai




(ainda estou a pensar numa maneira possível de descrever esta viagem)

terça-feira, janeiro 19, 2010

tu é que me lês, querida virginia

trás os pinheiros

A vida pesa quase sempre aqui em trás-os-montes e os olhos da gente da terra ficam escuros como troncos molhados.
Deus é salvador e carrasco, mas suspeito que ninguém se pergunta qual dos papéis lhe acenta melhor.
A voz da dona Otília é espessa, escura, tipo petróleo, e conta-me histórias de mulher agredidas e de homens assassinados por causa de terrenos baldios. Às vezes, à noite, depois de desligar os aquecedores, a voz dela escorre peganhenta e teimosa nos meus ouvidos. Procuro a denúncia que não encontro nos seus relatos. Ouço as palavras mortas das mulheres, os gritos distantes dos homens.
- Bom ano menina.
Eu comia uma massa com cogumelos e bróculos e sentia-me leve por estar a começar um novo ano. Aliás, nunca a passagem de um ano para o outro se tinha tornado tão simbólica assim. Haja propósitos, vivam as celebrações.
- A minha consoada foi atribulada menina, o avô da minha nora que não é nora, bá, namora para o meu filho, andava desaparecido há uns dias e apareceu morto no cimo de um pinheiro.
Natal, um homem morto no cimo de um pinheiro.
Dona Otília, vá lá à sua vida, que eu temo hoje nem sequer ligar o aquecedor, não vá o homem começar a brilhar a meio da noite.

domingo, janeiro 17, 2010

nuno júdice

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver
só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe
a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

terça-feira, janeiro 05, 2010

quarta-feira, dezembro 09, 2009

a quem o ensino dobra

Era professor da primária. Doce e frágil, quase enjoativo de tão meloso. Contou-me que não aguentou mais, que virou-se para a directora de escola e pediu um tempo para ele. A pressão dos pais dos meninos era excessiva. De vez em quando recebia um telefonema de um progenitor idiota qualquer que lhe perguntava porque é que o garoto tinha tantos trabalhos de casa. Coitado do garoto, a natação e a playstation de certeza que lhe ocupam demasiado tempo. E qualquer dia ainda apanha a gripe A. Depois tem um sinal na cara de que não gosta e já revela alguns problemas de sociabilização devido ao dito cujo. É pois evidente que não lhe sobra tempo para aprender a nossa língua, a matemática, a geografia, essas coisas acessórias.
Voltando à vaca fria, o professor virou-se para a directora e pediu tempo para ele. A directora concedeu-lhe, e esta é a única parte boa da história. Deixou tudo e foi fazer o caminho de Santiago.
A minha mãe não pode chumbar os alunos. Dá cursos profissionais ao secundário e tenta formar técnicos jurídicos e comerciais. Tudo uma treta. Perdoem-me os inocentes. Adolescentes que nunca estudaram na vida pelas mais diversas razões, são agora pagos por nós para andarem pra´li a gastar o polegar com sms. Se tiram uma negativa a um exame, a professorinha tem que dar mais duas oportunidades para ver se passa o pequeno príncipe. Isto é a total preversão do ensino e engana professores e alunos. O professor fica pois, sem hipótese nenhuma de cumprir a sua função. Triste e desiludido, vai para as aulas dos cursos profissionais sem vontade de ensinar coisa alguma, porque simplesmente não é esse o objectivo do próprio curso. Os alunos, que agora têm a faca, o queijo e o telemóvel na mão, regojizam-se com o seu poder e ignorância. Depois saem no 12º ano e vão trabalhar para a Bershka ouvir música a decibéis que deviam ser proibidos, e dobrar camisolas já com borboto que lhes poupam a tarefa de pensar. Mas isso é só na melhor das hipóteses. Porque depois do canudo da mão, o garoto acha-se demasiado importante para fazer tal coisa
(convenceram-no disso), e prefere esperar outra vez com a playstation numa mão e o risco de apanhar gripe A na outra, de um trabalho como técnico jurídico ou comercial. Pura ilusão.

(a culpa não é dos garotos e trabalhar na bershka é tão digno como outra coisa qualquer, mas quisesse este governo formar pessoas e não números e tudo era tão diferente)